sábado, 30 de novembro de 2013

Diário da Noite, 31 de Julho de 1950

NÃO ESTÁ CERTO

No suplemento de novidades para agosto, da Odeon, figura um disco gravado por Dircinha Batista, no qual vamos encontrar dois sambas: Chama-se João, que leva a assinatura de Ary Barroso, e Na Batucada da Vida, também de Ary Barroso, mas com palavras de Luiz Peixoto. O primeiro desses sambas é típico de Ary Barroso, isto é, leva a sua marca registrada, composto no seu estilo habitual. Na Batucada da Vida, entretanto, é de lamentar-se tenha sido brotado da pena do prestigioso compositor nacional. E mais lamentável ainda quando se observa a letra reprovável para ela alinhavada por Luiz Peixoto. Lamentável, principalmente, porque tanto Ary Barroso quanto Luiz Peixoto são autores de reais e merecidos méritos. Se a música de Ary está incompatível com a sua capacidade artística, a letra de Luiz Peixoto compromete seriamente o seu autor. Talvez poder-se-ia perdoar o próprio Ary Barroso pela fraca composição. Afinal, nem tudo o que sai da cachola de um autor – por maior que seja o seu renome – é aproveitável. Entretanto, no que se refere à letra não se poderá dizer o mesmo. Talvez se poderia, se fosse apenas fraca. Entretanto, não é simplesmente fraca, mas indecente, imoral, inconcebível para tema de música que vai ser levada ao disco.

Luiz Peixoto
Luiz Peixoto, ao escrever os versos de Na Batucada da Vida, acostumado que está a produzir para o teatro de revista, geralmente com “quadros” fortes e apimentados, com certeza, julgou que estaria escrevendo para uma dessas produções teatrais. E o resultado foi que se perpetuou na massa uma imoralidade. O tema de que lançou mão o autor dos versos foi o mais infeliz possível. Conta a história de uma jovem, perdidamente apaixonada, que acabou sendo atirada à rua da amargura. Para dizer isso, Luiz Peixoto usa e abusa de uma linguagem libertina, atrevida, chocante, dizendo frases e palavras como estas: “Hoje eu sou mesmo da virada”, “topo qualquer parada” e “vou me esculhambando”[1]...

Ary Barroso
Dircinha Batista, por sua vez, procura dar realismo à monstruosidade e diz as palavras com tanta propriedade, que a impressão que se tem é de que quem está cantando é, com efeito, a própria personagem imaginada por Luiz Peixoto. Boa interpretação, portanto.

Boite Oasis, Diário de S. Paulo, 4/5/50
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O acompanhamento foi executado pelo próprio Ary Barroso, ao piano, com um pequeno conjunto de ritmo. Muito interessante o seu piano, especialmente na face de Chama-se João.

Pesa-nos dizê-lo, mas o disco em questão, pela face de Na Batucada da Vida, não pode ser recomendado. Na etiqueta deveria ser colocado um selo com os seguintes dizeres: “Proibido para menores de dezoito anos”.

Na foto: Por maior que seja a nossa boa vontade, não podemos aceitar o último disco de Dircinha Batista, especialmente pela face de Na Batucada da Vida, que leva as assinaturas de Ary Barroso e Luiz Peixoto, que é, como dissemos em nossa crônica ao lado, e como qualquer um poderá verificar, um autêntico samba impróprio para menores, senhoras e senhoritas.


[1]A letra diz “irei cada vez mais me esmolambando”.

Diário da Noite, 29 de Julho de 1950

CANTOR DIFERENTE

Ronaldo Lupo é um cantor paulista. Apesar de atuar no rádio há já algum tempo, é pouco divulgado entre nós. Entretanto, é um artista de valor. Criou um estilo. Sua maneira de cantar é toda pessoal. Ao ouvi-lo, tem-se a impressão de estar ouvindo um vocalista do princípio do século. Dono de uma tonalidade de voz curiosamente peculiar, Ronaldo Lupo, por isso, prende a atenção do ouvinte. Alguns não o toleram. Outros admiram-no. Talvez resida aí, precisamente, nessa controvérsia, todo o sucesso do jovem cantor.

Iniciou ele sua carreira artística como compositor escrevendo o Samba da Saudade, que Gastão Formenti gravou na Victor. Já cantou tem teatros, boates, cassinos e se dedica, no momento, inteiramente ao broadcasting, no Rio de Janeiro. Depois de uma excursão que realizou ao norte do país, colhendo os mais ruidosos sucessos, seu nome é motivo das mais elogiosas referências por parte do público nordestino. Cantou naquele filme carnavalesco Estou Aí, com Emilinha Borba e Colé.

Ronaldo Lupo
Pois é precisamente sobre um disco de Ronaldo Lupo, gravado pela Continental, as nossas considerações de hoje. Linda Cidade e Vou Desistir... de Namorar, respectivamente um samba e uma cançoneta, de sua própria autoria, são as páginas levadas à cera por ele. Muito bonito o samba, que descreve uma cidade de forma romântica, sem dizer, entretanto, o seu nome. Como Ronaldo é paulista, é de supor-se que a sua Linda Cidade, outra não é senão São Paulo... A cançoneta Vou Desistir... de Namorar, de música viva, bonita e, ao mesmo tempo chistosa, tem, porém, versos que, francamente, não nos agradaram. O Sr. Nestor Tangerini foi de uma falta de gosto de espantar! Aquela história final do violento beijo, que fez a dulcíssima Dulcinéia engolir a dentadura, é de se lhe tirar todos os chapéus! Todavia, há uma ressalva. Ao que nos informaram, Ronaldo compôs a melodia e o Sr. Tangerini fez a letra, a fim de figurar numa revista musical da companhia teatral da qual faziam parte. Está, assim, explicado o cunho de vaudeville impresso à partitura e à interpretação de Ronaldo, que não fugiu ao seu estilo. Bom o acompanhamento executado pela orquestra de Pereira dos Santos, sendo digno de nota a performance do flautim, que é um espetáculo.

Gastão Formenti
Desejamos endereçar à gravadora os nossos cumprimentos. Ultimamente, a rubrica dos três sininhos nos tem proporcionado discos de bom padrão artístico, a par de sensíveis melhorias técnicas. O disco que vimos de comentar é um exemplo típico.


Na foto: Duas composições de sua própria autoria: Linda Cidade e Vou Desistir... de Namorar, fazem do último disco de Ronaldo Lupo, objeto das nossas apreciações de hoje. A primeira é um magnífico e inspirado samba; a segunda é uma chistosa cançoneta, estilo vaudeville, muito interessante, especialmente a música e o flautim que intervém do primeiro ao último sulco da gravação.

Diário da Noite, 28 de Julho de 1950

MAIS NOTÍCIAS

Grande é a atividade existente nos bastidores das empresas gravadoras. Muitos dos objetivos dessa atividade são conservados em segredo, obrigando o cronista que assumiu o compromisso de trazer os discófilos informados, a um trabalho penoso, a fim de cavoucar notícias de interesse. O segredo é a alma do negócio, diz o brocardo; daí a razão de uma empresa não querer que a concorrente saiba do que vai nos seus bastidores. Mesmo assim, aqui vão mais algumas notinhas:

A Continental vai lançar, dentro em pouco tempo, uma etiqueta subsidiária: “Discos de Toda a América”. Não pudemos saber se “Discos de Toda a América” tem alguma relação com os lançamentos da etiqueta Mercury, que o selo dos três sininhos vai representar no Brasil, ou se se trata de uma terceira marca, na qual – pensamos nós – estariam incluídos muitos sucessos da Decca. – A Columbia americana vem de colocar na praça pequenos discos de sete polegadas (18 centímetros) de 33.1/3 rotações por minuto, de longa gravação. Visa a empresa atender às exigências do público, em sentido contrário à prática da empresa, de gravar quatro ou mais números diferentes numa mesma face de 10 ou de 12 polegadas. Para o discófilo, sem dúvida – e em especial para o colecionador – isto representa uma grande vantagem, além de lhe proporcionar uma liberdade de escolha que, antes, não podia ter com os discos – recitais de 10 e 12 polegadas e por serem tais discos inquebráveis e de preço baixo.

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O começo do "Long-Playing", de 33 rotações
– A Victor, cujo repertório de música clássica é dos mais admiráveis segundo as listas que temos em mão, está regravando uma porção de concertos, suítes, óperas, sinfonias, além de peças clássicas avulsas, que de há muito se achavam esgotadas na praça. – A MGM, de Londres, vem de colocar nas casas revendedoras do país variada partida de discos contendo música de recentes filmes. – Já chegaram ao Brasil os primeiros toca-discos especiais para gravações de 33.1/3. Uma firma de São Paulo, aliás, já está anunciando a venda de vitrola capaz de tocar discos normais, de 78 rpm, de 45 rpm e os discos Long Playing, de gravação microgroove.

Sarah Vaughan
 – A Columbia acaba de organizar um álbum contendo gravações de Sarah Vaughan, a que deu o título de Sarah Vaughan Sings For You. – Dentro de poucos dias, os Titulares do Ritmo, bem assim o maestro Armando Chiglione[1] embarcarão para o Rio de Janeiro onde irão realizar novas gravações para a Odeon. – Um disco que promete ser um grande sucesso, em agosto próximo, é o que os Demônios da Garoa gravaram para a Elite e sobre o qual já demos notícia nesta mesma coluna. – O Trio Mineiro é o novo conjunto caipira que o selo da rua Major Quedinho nos promete e no qual deposita grandes esperanças, pois, ao que se diz, é um conjunto bastante seguro e homogêneo. – Lidar com o público é coisa que demanda muita arte e dose imensa de paciência. Entretanto, certos empregados de determinadas lojas revendedoras da cidade desconhecem a arte de vender e não são dotados de um pingo de paciência. Quando a loja se movimenta, tratam mal o cliente, espantando-o para longe. Cumpre aos proprietários desses estabelecimentos observar melhor a conduta dos seus funcionários. O público já está aborrecido com essas demonstrações de incivilidade.

Quatro Ases e Um Coringa
Na foto: O “côco” é um novo ritmo que Luiz Gonzaga, agora que viu o baião triunfar em toda a linha, descobriu e pretende tornar conhecido do povo. Já há diversas composições feitas em ritmo de “côco” e a primeira a ser levada ao disco foi Derramaro o Gai, que fez de parceria com Zé Dantas, e que Os 4 Ases e Um Coringa gravaram, sob a responsabilidade do selo Victor. É uma composição interessante, apesar da dose de malícia a ela impressa, que os autores souberam temperar com inteligência.


[1] Não encontro referência desse maestro em lugar nenhum. Talvez seja “Ghiglione”, mas continuo procurando.

Diário da Noite, 27 de Julho de 1950

DUAS BOAS GRAVAÇÕES

Essa figura inconfundível de artista que é Edú, amigo inseparável de sua harmônica de boca, é figura de primeira plana dentre os artistas mundiais que contribuem para a valorização artística do bizarro instrumento. Graças a ele, Larry Adler, a Borrah Minevitch, e alguns outros, a gaita deixou de ser, como era comumente considerada, brinquedo de criança, ou algo de vulgar. Hoje, as gravações de Edú ou dos grandes artistas do instrumento, precisam ser analisadas com espírito artístico. As gravações de Edú e de Larry Adler, por exemplo, são de execuções requintadas, caprichosamente requintadas, e possuem dose imensa de espírito artístico do mais fino gosto.

O disco objeto das nossas considerações, onde estão gravadas as páginas Fumaça nos Teus Olhos e Arabescos, respectivamente de autoria de Jerome Kern e do próprio Eduardo Nadruz (Edú), são exemplos frisantes. Conquanto a página do compositor norte-americano seja mais comercial que artística, Edú fez questão de demonstrar, pelo seu arranjo, que se preocupa não só com o tema principal da melodia, bastante belo, senão também em demonstrar a sua técnica superior, rica em floreios gratos aos tímpanos. Em Arabescos, então, o artista se põe à vontade, não só por constituir uma partitura de sua lavra, mas porque foi elaborada especialmente, ao que parece, para que ele pusesse à prova o seu exuberante virtuosismo. Magnífico o arranjo e ótimo o acompanhamento do conjunto de cordas.

Edú da Gaita (foto do blog
http://riskas513.blogspot.com.br)
Jorge Goulart, como se sabe, é um dos mais prestigiosos cartazes do broadcasting carioca. É artista da etiqueta Continental, responsável pela gravação que vamos apreciar. Goulart, não faz muito, nos presenteou com várias gravações de real valor artístico, como aquele samba São Paulo, no qual canta a nossa metrópole como se fora um autêntico filho de Piratininga. Agora, o jovem vocalista nos endereça um disco no qual estão gravados Conheço Uma Cidade, interessante fox de Irving César, com palavras de Osvaldo Santiago, e uma marcha que, por pouco, não inutiliza o disco. O fox é de melodia romântica, bonitinho, dotado de letra feita com inteligência, que descreve certa cidade que o cantor diz conhecer, falando das suas ruas, das suas mulheres e não diz, no fim, quando o ouvinte espera que vai fazê-lo, o seu nome. Entretanto, o ouvinte de São Paulo, do Rio, de qualquer outra cidade ou Estado, identificará como sendo “a sua” a cidade descrita. Boa a orquestração e seguro o acompanhamento do conjunto.

Casa Ricordi
Na foto: Já tivemos ocasião de contar aos leitores deste cantinho de coluna que Yves Montand conseguiu, de simples e honrado operário de uma fundição em Marselha, transformar-se no maior cartaz parisiense do momento. Edith Piaf, famosa cançonetista gaulesa, foi quem, no início da carreira artística do chansonier ítalo-francês, lhe “deu a mão”, orientando-o e influindo no seu estilo, que, pouco a pouco, se transformou, fazendo dele o ídolo das noitadas de Paris. Yves está no Rio, cantando numa boate e numa transmissora. Dentro em pouco estará encantando o público paulista com sua bonita voz. Gravações recentes, em edição nacional, da Odeon: Clopin-Clopant, A Paris, Matilde, Meu Doce Vale e As Folhas Mortas.

Diário da Noite, 26 de Julho de 1950

PROMESSA CUMPRIDA

Quando das comemorações em regozijo pela passagem da “Semana Carlos Gomes”, organizada para assinalar o centenário de nascimento do querido mestre campineiro, a comissão incumbida dos festejos se queixou, aliás com razão, da falta de gravações contendo páginas representativas do autor de O EscravoCartas, então, foram endereçadas pela aludida comissão às empresas gravadoras e, em resposta, várias delas prometeram providenciar gravações de partituras de Carlos Gomes, demonstrando assim alto espírito de colaboração para com os festejos. Ao que parece, entretanto, o apelo de Campinas foi feito um tanto tardiamente, pois por maior que fosse a boa vontade demonstrada pelas firmas não foi possível entregar os discos prometidos a tempo de alcançar a “Semana Carlos Gomes”. Apenas a Victor, que possuía em estoque a Sinfonia de O Guarani, pela Boston Pops, sob a direção de Arthur Fiedler, colocou na praça a bela e valiosa gravação.

Ao recebermos, agora, para ouvir, as provas da mesma partitura, isto é da Sinfonia de O Guarani, em arranjo especial para piano e orquestra, feito pelo maestro Francisco Mignone, em gravação Odeon, tendo ao piano Heriberto Muraro, secundado por grande orquestra, ficamos convencidos de que valeu a pena esperar. A gravadora da rua da Liberdade cumpriu a sua promessa e fê-lo regiamente, porquanto o disco em questão é, na realidade, uma preciosidade.

Carlos Gomes
É uma pena que os estúdios de gravações da Odeon, no Rio, não sejam maiores para que o som do grande conjunto fosse mais perfeito. Mesmo assim, entretanto, o disco, do primeiro ao último sulco é de uma perfeição digna dos melhores elogios. A começar pelo arranjo, que é fidelíssimo, sem deturpar a melodia, como é de hábito em certos arranjadores, passando pelos músicos de per si, pelo solista, cuja magnífica técnica todos conhecemos e admiramos, até o técnico, controlador do som, tudo saiu às mil maravilhas. A regência de Francisco Mignone, seguríssima, impondo ao conjunto todo poder de sua vigorosa batuta.

Os sons obtidos por Muraro, ao dedilhar espetacularmente o instrumento, especialmente na segunda face do disco, maravilha e emociona qualquer ouvinte, ainda que não seja brasileiro. Temos quase que a certeza de que a transcrição pianística de Francisco Mignone, dentro em pouco, irá figurar, obrigatoriamente nos programas de concertos para piano e orquestra em todos os teatros do mundo.

Heriberto Muraro
Segundo informações que obtivemos, a elaboração desse disco, excluindo a parte industrial, mas simplesmente a parte artística, ficou caríssima para a firma gravadora. Entretanto, vale o sacrifício, porquanto se trata de uma significativa contribuição em prol da arte nacional e vai popularizar, além das nossas fronteiras, uma das mais significativas páginas da música brasileira.

A promessa da tradicional etiqueta feita aos campineiros demorou um pouco, mas, repetimos, foi cumprida regiamente.


Na foto: O Muraro que vemos acima, com uma batuta na mão, é o Muraro regente de orquestra. Entretanto, sem desmerecer o seu valor como diretor de orquestra, Muraro é, antes de mais nada, o grande pianista que todos admiramos. A sua gravação de A Sinfonia de O Guarani, de Carlos Gomes, em arranjo para piano e orquestra de Francisco Mignone, vem reafirmar tudo o que se tem dito sobre o seu virtuosismo.

Diário da Noite, 25 de Julho de 1950

TÓPICOS E NOTÍCIAS

Bing Crosby, durante muito tempo considerado o cantor nº1 dos Estados Unidos, segundo os últimos dados fornecidos pelo registro geral da venda de gravações, está colocado em décimo lugar. Demonstra ainda o registro geral de vendas que a preferência do povo norte-americano se voltou para Tony Martin, que figura na cabeça da lista, alcançando os seus discos vendas espetaculares. Doris Day e Dinah Shore, na aludida lista, estão colocadas, respectivamente, em vigésimo-segundo e vigésimo-terceiro lugares. – Dentre os lançamentos Odeon, para setembro, e que terão sua edição antecipada, talvez para esta semana, figura um disco de Anton Karas, solista de cítara, no qual, em uma das faces, se encontra gravada a melodia O Terceiro Homem, extraída do filme do mesmo nome. A propósito desse disco há muito que dizer. Por exemplo: conquistou ruidoso sucesso na Espanha, quando da exibição da película ali, tendo batido todos os “records” de vendas. Na Inglaterra, o sucesso foi espetacular, bastando dizer que nada menos de um milhão de exemplares foram vendidos, o que quer dizer 10% da produção anual da Grã-Bretanha! Quatro versões existem, de O Terceiro Homem. Entretanto, a gravação que a Odeon vai lançar antecipadamente é a original, isto é, do próprio filme, em solo pelo autor da melodia, que interveio na película tocando, mas sem aparecer. – Nos Estados Unidos, foi remetido aos fabricantes de discos um novo índice, em ordem alfabética, classificando como de composições “alegre”, “feliz”, “meditativa”, “calmante”, “excitante”, diante do efeito emocional produzido por elas nos ouvintes, o resultado de experiências e observações clínicas realizadas pela organização particular americana The Music Research Foundation. – A respeito da música terapêutica, segundo dois psiquiatras do Washington Park Hospital, de Surrey, Inglaterra, os diferentes tipos de música afetam os doentes mentais de modo distinto. De acordo com essas autoridades médicas, executados para grupos determinados de doentes, os clássicos trouxeram um sentimento de segurança e de coesão de grupo, enquanto a música romântica tinha a tendência de reviver em cada um os seus problemas. O melhor efeito, porém – segundo as informações – sobre os doentes, tato para acalmar as suas emoções perturbadas como para harmonizar o grupo, vieram das árias familiares e das canções regionais, provavelmente em conseqüência das lembranças que traziam dos tempos felizes da infância.

Propaganda de julho de 1947

– Como conseqüência da desvalorização da libra, os discos importados da Inglaterra sofreram redução em seus preços, do importador para a casa revendedora. Entretanto, inexplicavelmente, estas continuam cobrando do público o preço antigo, o que, evidentemente, não está certo. – Totó e sua orquestra, tendo na parte vocal Bob Stewart, vão gravar, dentro de poucos dias, para a Continental, Again e Falling Leaves. – Também Monte Alegre, Sólon Salles, Vagalumes do Luar e Manézinho Araújo estão programados para gravar na etiqueta dos três sininhos. – A gravação que Georges Henry e sua orquestra, com William Fourneau, iriam levar a efeito a semana passada, foi transferida para ser realizada na próxima quinta-feira, às 22:30 horas. Hollyday for Strings, de David Rose, e Dança do Sabre, de Khachaturian, são as páginas que serão levadas ao disco pelo dinâmico regente gaulês. – Outro lançamento antecipado da Odeon, de gravações programadas para setembro, é o Baião, de Luiz Gonzaga, e Moto Perpétuo, um vibrante chorinho, em solo de piano pelo magnífico Muraro. Ouvimos a prova desse disco e pudemos constatar do seu superior padrão, técnico e artístico. – Ao que se anuncia, Jimmy Lester e Carmélia Alves vão gravar vários discos da série “boate”, isto é, com duas músicas em cada face.

E, por enquanto é só.

Casa Beethoven
Na foto: Como não podia deixar de acontecer, Gregorio Barrios gravou, também, o bolero de Carlos Crespo, Hipócrita, que tanto sucesso vem obtendo. Completa o disco a canção francesa Clopin-Clopant. Também esse disco, que faz parte do suplemento Odeon, de setembro, vai ter o seu lançamento antecipado para esta semana. Gregorio Barrios, considerado o melhor bolerista do momento, está perfeito em ambas as faces, conforme pudemos verificar pela prova. Boas as orquestrações de Oswaldo Borba, que dirigiu o conjunto que executou o acompanhamento.

Gregorio Barrios e Francisco Lomuto - Diário de S. Paulo, 15/6/50

Diário da Noite, 24 de Julho de 1950

DOIS BOLEROS

Recebemos, em dias da semana passada, algumas gravações de responsabilidade da etiqueta Seeco, entre as quais vários discos de Eva Garza, a aplaudida vocalista mexicana, muito admirada do público de São Paulo. O melhor dos discos de Eva, dentre os recebidos, sem dúvida alguma é o que encerra os boleros Besame Así e Injusticia. O primeiro dos boleros em questão é de autoria do compositor Lázaro Quintero. Eva Garza o vocaliza de acordo com o seu estilo, com a voz cheia de calor e muita alma na interpretação. A melodia, impregnada de romantismo, ganha muito em beleza com a orquestração de Roberto Ondina, responsável pela regência do Conjunto Suaritos, que executa o acompanhamento. Merece atenção especial o contra-canto executado pela seção de violinos da orquestra, que é de bonito efeito.

A letra da partitura, simples, despretensiosa, quase nada diz. No entanto, revela o estado de alma da personagem do tema “que tem medo de despertar do seu sonho e verificar que já não possui o seu amor”.

Eva Garza
No lado oposto do disco, vamos encontrar o bolero de Pablo Beltran Ruiz, intitulado Injusticia. Trata-se de uma inspirada página musical, cuja letra conta a história de uma jovem que espera o amor ausente, que não volta, e por isso, acredita haver perdido tudo na vida... Tema romântico, do agrado, portanto, da generalidade dos apreciadores do bolero. Há, entretanto, um gravíssimo defeito de gravação nesta face do disco em questão.

Uma autêntica “injusticia”. Não foi culpa dos artistas, que se portaram à altura do seu renome. Mas, simplesmente, do técnico da Seeco, que “dormiu” no controle ou inadvertidamente tocou no botão de controle de som do microfone da vocalista. Assim, quase no final da gravação, tendo corrido tudo às mil maravilhas, estando Eva Garza cantando, de repente a sua voz quase some, perdendo a nitidez, parecendo ter a artista se afastado demais do microfone. Logo depois, tudo volta ao normal... O técnico deve ter passado por um grande susto!

Oscar Levant
O que nos causa estranheza, porém, é o fato da direção artística da Seeco, sempre escrupulosa, haver permitido a saída de uma gravação imperfeita, capaz de comprometer o prestígio da etiqueta. Afora esse senão, o resto está bem, sendo um disco recomendável, especialmente pela face de Besame Así.


Na foto: Oscar Levant, sem dúvida nenhuma, é um artista do teclado de reais e positivos méritos. Fez mal em se improvisar artista cinematográfico. Hollywood o estragará, com certeza, como tem feito com tantos e tantos talentos. A gravação de Oscar Levant mais procurada é precisamente a de Rhapsody in Blue, cujo autor, o admirável George Gershwin, era seu amigo íntimo.

Diário da Noite, 22 de Julho de 1950

CAMPEÃO DE VENDAS 

Luiz Gonzaga, como se sabe, é um legítimo campeão do disco. Suas gravações atingem vendas espetaculares, conseguindo “records” que dificilmente serão superados. Suas composições são do agrado geral, daí o sucesso dos seus discos. Dizem – e não conseguimos dados positivos a respeito – que Luiz Gonzaga recebe trimestralmente, como é de praxe, de direitos autorais, perto de trezentos mil cruzeiros ou quase cem mil cruzeiros mensais! Talvez vá nesse cálculo algum exagero. Todavia, que a sua renda, aliás, merecida, em conseqüência das suas músicas e gravações, deve ser grande, não resta a menor dúvida.

Nasceu Luiz Gonzaga no sertão pernambucano, numa sexta-feira, dia 13, do ano de 1912. O azar do dia do seu nascimento, porém, não pegou nele. Ao contrário, como vimos, é um sujeito de sorte. Em 1939, há onze anos, portanto, desembarcou, meio desajeitado, no Rio de Janeiro, procedente do seu Pernambuco, sobraçando a pesada sanfona. E foi logo conquistando de assalto a admiração do público carioca com os seus baiões, cujo ritmo, como se sabe, é extraído do exuberante folclore nordestino. Conquistado pelo rádio, o seu prestígio artístico se espalhou por todo o país, já tendo transposto as fronteiras e chegando a Hollywood, onde lhe estão mutilando as composições.

Luiz Gonzaga
Depois de divulgar o baião, que é a “coqueluche” do momento, e a toada, cujo marco inicial foi aquela deliciosa Asa Branca, Luiz Gonzaga procura agora popularizar o xote e o côco, um novo ritmo que ele, com o seu faro de constante pesquisador, conseguiu descobrir. Entretanto, não é desse novo ritmo que desejamos falar. Oportunamente o faremos. O xote e a toada, melodias, que fazem parte do disco que temos em mão, intituladas, respectivamente, Cintura Fina e Assun Preto é o que desejamos focalizar hoje. O próprio Luiz Gonzaga é o autor de ambas as partituras e ele mesmo canta e se acompanha à sanfona, secundado por um pequeno conjunto regional. Cintura Fina, além de possuir música e ritmos provocantes, é dotada de uma letra curiosa, impregnada de malícia, mas de malícia simples, sadia, sem maldade e sem ofender, dosada com inteligência.

Gonzaga
A toada Assun Preto é algo tristonho. Conta a história de um velho pássaro, que mãos maldosas cegaram, o que deu motivo a que o seu trinar e seus gorjeios se tornassem ainda mais belos. Dignas de observação a letra e a música dessa toada, pois possui dose imensa de inspiração e encerra muita poesia. E Luiz a canta com alma e coração, resultando uma belíssima gravação, no gênero.

As gravações propriamente ditas, feitas pela Victor, tecnicamente também estão perfeitas. Aliás, Luiz Gonzaga é exigente neste particular. Quando vai gravar e se põe diante ao microfone, ele próprio faz questão de colocar os acompanhantes em lugares previamente por ele estudados, para depois perpetuar na massa aquilo que a sua inspiração lhe ditou.

O disco em questão, pelo exposto, será fatalmente um grande sucesso comercial.

Na foto: Peter Kreuder é um pianista bastante discutido. Apesar disso, possui verdadeira legião de fãs. Os que não apreciam o estilo do popular pianista germânico são, precisamente, os entendidos........ ......... de Kreuder, dos clássicos, são de uma irreverência de espantar. O grande público, porém, se delicia com os malabarismos e as filigranas de Peter Kreuder. Grava para a Victor e a lista dos seus discos para a etiqueta do cachorrinho é extensa.

Diário da Noite, 21 de Julho de 1950

ADMIRÁVEL PISTONISTA

Não faz muito, analisamos neste canto de coluna uma gravação desse admirável pistonista e chefe de orquestra, que é Georges Henry, em que ele e William Fourneau, em solo de assovio, secundados por magnífica orquestra, interpretam Hora Staccato, página musical do compositor romeno Dinicu, baseada, como se sabe, numa cena folclórica do seu país. Dissemos, então, da perfeição da gravação, executada sob a responsabilidade do selo Continental e que, apesar de nacional, estava, artística e tecnicamente, superior à em que o conjunto de Freddy Martin, com Gene Conklin ao assovio, intervém.

No disco objeto das nossas anotações de hoje, apesar de conter a mesma página musical de Dinicu, que por sinal, já foi gravada por um sem número de artistas, não intervém nenhum assoviador, senão um dos maiores pistonistas da atualidade: Rafael Mendez. Dono de uma técnica impressionante e superior, além de um sopro seguríssimo e cristalino, sem defeitos de respiração e de um fôlego espantoso, Rafael Mendez nos brinda com uma Hora Staccato positivamente espetacular. Magnificamente secundado pelo seu próprio conjunto, Rafael Mendez chega até a abusar do instrumento, com floreios que talvez só ele possa conseguir.

Rafael Mendez
Para completar o disco, foi gravada, na face oposta, a partitura de Rimsky Korsakov O Vôo do Besouro, que também tem sido levado ao disco por uma porção de virtuoses. Aqui, Rafael Mendez se utiliza da surdina em seu endiabrado pistão para executar a página do imortal compositor russo. O arranjo, naturalmente feito pelo próprio chefe da orquestra, embora a etiqueta Odeon a ele não faça referência, obedeceu aos cânones clássicos, dando-nos a impressão de estarmos numa sala de espetáculos ouvindo um concerto de pistão, o que, em última análise, outra coisa não deixa de nos proporcionar esse precioso disco.

Valor artístico e comercial não falta a essa gravação.

Na foto: Nelson Novaes, que já gravou vários discos de sucesso na Continental, está programado para gravar, ainda este mês, para a etiqueta dos três sininhos, Sozinho Noite Afora, versão do fox italiano Soli, Soli nella Note, e Um Amor Igual ao Nosso, canção da famosa dupla de compositores franceses Borel e Clerc.[1] A versão brasileira de ambas as partituras foi feita pelo próprio Nelson Novaes.


[1] Como já se viu na crônica do dia 10 de julho, Borel-Clerc eram uma pessoa só, o compositor Charles Borel-Clerc.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Diário da Noite, 20 de Julho de 1950

O NOVO TRIO DE OURO

Como é público e notório, o Trio de Ouro – o antigo Trio de Ouro – composto por Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, sua esposa, e Nilo Chagas, o negro do trio, e que tantas gravações de bom padrão nos proporcionou, foi desfeito quando de uma excursão que realizou ao exterior. Os motivos que ocasionaram o abandono do trio e do esposo por parte de Dalva de Oliveira não foram divulgados, pois eram, ao que se assoalhou, de caráter íntimo. Tão logo, porém, Dalva se desligou do conjunto e do marido, a Odeon a contratou, a fim de formar ao lado dos demais astros da famosa etiqueta. Do outro lado, Herivelto Martins andou quebrando cabeça para encontrar uma substituta para o claro aberto pela esposa. Tal qual Diógenes, andou de norte a sul do país, com a lanterna do seu faro artístico, à procura da voz feminina ideal para o Trio. Queria uma voz de tonalidade mais ou menos semelhante da de Dalva, que se casasse tão bem com a dele, quanto com a de Nilo Chagas. Em Vitória, do Espírito Santo, conseguiu localizar a voz que pretendia: Noemi Cavalcanti. Foi difícil convencê-la. Mas Herivelto acabou levando-a para o Rio e seis meses passou ensaiando o novo Trio, até vê-lo afinadinho. Depois disso, foi fácil conseguir contrato numa das maiores emissoras do país, o que motivou a renovação do contrato do novo conjunto com a etiqueta Victor, a qual já lançou na praça o primeiro disco do novo Trio de Ouro: Caminho Certo, de autoria do próprio Herivelto Martins, e A Bahia te Espera, de Herivelto e Chianca Garcia.

Nilo, Noemi e Herivelto
Com alusão às composições, temos a impressão de que se tratam de dois berrantes plágios: Caminho Certo se assemelha muito com o samba de Ary Barroso Foi Ela; e A Bahia te Espera é muito parecido com Exaltação à Bahia, que, por sinal, também tem letra de Chianca Garcia. As palavras de Caminho Certo, dizem que foram dirigidas à Dalva de Oliveira e contam a história da separação do casal. A ser verdade, é condenável que Herivelto Martins tenha procedido de tal maneira, pois a letra é qualquer coisa de assombrosa, falando em coisas “abaixo da decência”, etc. Ridícula aquela parte declamada de A Bahia te Espera. Herivelto não dá para a coisa. Estranhamos também a pronúncia carioca em excesso, feita propositadamente pelo conjunto. Poderia bem ser mais discreta.

O novo Trio de Ouro, propriamente dito, está bom. Afinado e homogêneo. Noemi Cavalcanti é dona de uma voz bastante bonitinha. Nas notas altas lembra, com efeito, Dalva de Oliveira. A voz de Nilo Chagas e a de Herivelto, em dueto, apenas em dueto, excelentes, sobressaindo-se quando entrosadas com a voz de Noemi. As alterações de vozes, nas gravações que vimos de comentar, foram feitas com inteligência.

Longa existência, é o que desejamos ao novo Trio de Ouro.

Frank Sinatra
Na foto: Publicações norte-americanas, especializadas em crítica de discos, examinando recentes gravações de Frank Sinatra, não escondem a sua tristeza pela completa decadência vocal do mundialmente aplaudido crooner. Recusaram-se mesmo a comentá-las, pois consideram-nas abaixo da crítica. A Columbia, em edição nacional, todavia, vem de colocar na praça, um disco em que encerra duas magníficas gravações suas: Body and Soul, feita em 1948, e All of Me, executada em 1947, quando era considerado o maior cantor popular americano.

Diário da Noite, 19 de Julho de 1950

A Continental vem de colocar nas revendedoras várias gravações feitas pelos seus melhores cartazes: Emilinha Borba, Blackout, Déo e Marlene. Samba, maracatú, rancheira, choro, bolero e bolero-mambo são os ritmos que fomos encontrar nas gravações em apreço. Emilinha Borba, por exemplo, nos proporciona Vizinho do 57, um chorinho interessante, cuja letra nos conta a história de uma jovem que morava no 59 e apaixonou-se pelo vizinho do 57. todavia, a vizinha do 55 seduziu o rapaz do 57, que a preferiu à do 59, que é quem conta a história. O tema das palavras é, como se vê, banalíssimo. Entretanto, as imagens usadas pelo autor da letra, René Bittencourt, também responsável pela música, são muito interessantes, com muita poesia, agradando. Na face oposta, Emilinha nos oferece um bolerinho-mambo gostoso: Bico-Doce, de autoria de H. Barbosa. Apesar de ser uma composição mais destinada aos dançarinos, dado o seu ritmo gostosamente balanceante, temos quase a certeza, vai ser um retumbante sucesso comercial, pois além de possuir música facilmente guardável pelo subconsciente, tem uma letra pequenina, fácil de aprender. Daqui a pouco, toda a cidade estará cantando Bico Doce. Tanto em Vizinho do 57, como em Bico Doce, Emilinha Borba está muito bem, cantando com desembaraço. Está melhor, porém, assim nos parece, em Bico Doce. O acompanhamento é feito pelo conjunto Tabajara, regido por Severino Araújo.

Rádio Bandeirantes, Jornal de Notícias, 31/1/50
Emilinha Borba
Marlene, por seu turno, gravou a rancheira O Casamento de Rosa e o maracatú Cambinda Briante, de Evaldo Rui e Fernando Lobo. Quem olhar para a etiqueta do disco e topa com o título do maracatú, Cambinda Briante, vai achar estranho esse título por não entender o seu significado. Entretanto, ouvindo-se a gravação, ficar-se-á sabendo que Cambinda Briante é uma cena folclórica do exuberante, bizarro, mas apaixonadamente curioso folclore nordestino. A interpretação de Marlene, neste maracatú, cuja face está superior ao Casamento de Rosa, não poderia ser mais convincente. Excelente o acompanhamento de Severino Araújo com a orquestra Tabajara. Digno de observação o bateria do conjunto, que desde o primeiro ao último sulco da gravação está presente, marcando o ritmo acentuado do maracatú, o que, aliás, acontece também na gravação de Bico Doce, de Emilinha Borba.

Jornal de Notícias, 5/1/50 - Clique para ver em alta resolução
Marlene
Déo, infelizmente, não nos convenceu, quer com o bolero Desesperança, de Alberto Lopes e Wolkoff ou na valsa que completa o disco. O cantor paulista, radicado há muito tempo no Rio de Janeiro, continua com aquele seu defeito de nasalizar a voz. Além do mais, as músicas que tem escolhido ultimamente não são das melhores.

Já Blackout, apesar da sua voz esquisita, tem procurado melhorar. Neste seu disco, lançado pela Continental, há um maxixe, Meu Doce de Côco, que levou as assinaturas de Humberto Teixeira e Carlos Barroso, muito bonzinho, parecendo ter sido composto especialmente para a voz de Blackout, que o interpreta com desenvoltura e grande senso de ritmo. Os Tabajaras, dirigidos por Severino Araújo são os elementos que respondem pela parte orquestral, discreta, mas digna de atenção.

Rádio Tupi, Diário da Noite, 19/4/50
Na foto: Aracy de Almeida, durante muito tempo cognominada “o samba em pessoa”, deixou, como se sabe, a Odeon, passando-se, com malas e bagagens, para a Continental, da qual, aliás, já estivera presa sob contrato. A sua rentrée na gravadora dos três sininhos vai ser assinalada com as gravações de um samba e de uma rumba, respectivamente intitulados Falta o Que Fazer e Toca a Rumba.

Diário da Noite, 18 de Julho de 1950

VIOLINO

Jascha Heifetz, o grande violinista romeno[1] que a platéia paulista já teve ocasião de aplaudir, numa temporada que realizou no Teatro Municipal de São Paulo, considerado, por abalizados críticos musicais de todo o mundo, senão o maior, um dos mais perfeitos violinistas de todos os tempos, gravou, para a Victor, já faz algum tempo, Sapateado, de Sarasate, e, na face oposta do disco, duas singelas páginas: Murmúrios do Mar, de Castelnuovo e Tadesco, e o Vôo do Besouro, de Rimsky Korsakov. As três pequenas jóias da música universal, no disco que temos em mão, são transcrições do original, para violino, feitas pelo próprio Heifetz.

Enquanto que em Murmúrios do Mar a execução, sempre impecável, do festejado virtuose é mais lenta e suave, em o Vôo do Besouro, página muito conhecida, em conseqüência de um sem número de gravações feitas por inumeráveis artistas, conjuntos e virtuoses, Heifetz movimenta mais o arco e os seus impressionantemente ágeis dedos, dando margem aos ouvintes admirar mais de perto a sua técnica superior.

Pablo de Sarasate
No lado em que se acha gravado o Sapateado, de Sarasate, Heifetz, ao que parece, empregou todo o seu poder interpretativo para brindar aos seus admiradores, que se contam às centenas em todos os países do mundo, com uma gravação digna do seu renome. Muito curioso os efeitos dos seus famosos pizzicatos.

Merece observação especial o acompanhamento ao piano, executado por Emanuel Bay. Discreto, mas seguro, límpido e com personalidade. Emanuel Bay, sem dúvida alguma, além de um excelente acompanhador deverá ser um magnífico solista, do que dá mostras, principalmente na face em que está gravado o Vôo do Besouro, onde sola, por momentos, de forma admirável.

Jascha Heifetz
O disco é de responsabilidade da etiqueta Victor, selo vermelho, importado. Não é novo, evidentemente, e já deve haver, até, edições nacionais. Todavia, só agora essa preciosa gravação é que nos chegou às mãos.

Trata-se, assim, de um disco que se precisa e deve recomendar aos amantes da boa música, especialmente aos que apreciam solos de piano.

Na foto: Após nos proporcionar uma notável Hora Staccato, com a orquestra de Georges Henry, tendo como solista de assovio William Fourneau, a Continental nos vai oferecer mais dois magníficos números pelo conjunto do aplaudido band leader gaulês: Holiday for Strings, de David Rose e a Dança do Sabre, um retalho de conhecida de Khachaturian. William Fourneau, o gorducho que todos aprendemos a admirar, estará em ação com o seu notável assovio. Aliás, essa gravação vai ser executada, na próxima quinta-feira, às 22 horas, nos estúdios de São Paulo da Continental. Se for possível, lá estaremos para assistir.


[1] Na verdade ele nasceu na Lituânia.

Diário da Noite, 15/2/50 - Clique para ver em alta resolução