sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Diário da Noite, 03 de Julho de 1950

COMPOSITORES NACIONAIS

Em crônicas anteriores tivemos ocasião de ressaltar o progresso que, no Brasil, está atingindo a indústria do disco. Digno de nota o fato de a grande maioria das firmas que exploram a indústria do disco procurar valorizar a música popular brasileira, através de rigorosa seleção, orquestrando-a e a apresentando condignamente vestida para poder penetrar nos mais luxuosos salões do mundo.

Isto no setor popular. Todavia, há um certo desprezo, até certo ponto natural, das firmas gravadoras pelos nossos autores clássicos. Dissemos “até certo ponto natural” porque, evidentemente, as nossas composições clássicas, por desconhecidas, não serão sucessos comerciais, isto é, não vão dar lucros às firmas gravadoras. E isto, certamente, não lhes é interessante. Alguma coisa, pensamos, deveria ser feita nesse sentido. Afinal, a música clássica tem grande público também. Haja vista Tchaikowsky, admiradíssimo entre nós. Seus discos, isto é, suas composições gravadas por um sem número de artistas e virtuoses, são consumidas com avidez pelo público brasileiro. Ora, no Brasil há compositores dignos de nosso melhor apreço. Francisco Braga, por exemplo, viu ser levado ao disco – e por sinal numa péssima gravação – o seu Hino à Bandeira, apenas, embora desse mesmo compositor haja partituras notáveis. De Carlos Gomes há apenas amostras... Do maestro Leopoldo Dominguez, apenas há gravado, nas mesmas condições, o Hino da Proclamação. De Francisco Manuel, simplesmente o Hino Nacional, apesar de possuir páginas admiráveis. Do maestro Padre José Maurício não há nada gravado, o mesmo acontecendo com as partituras de João Gomes de Araújo e de outros autores clássicos nacionais.

Marcelo Tupinambá
Iríamos longe se fôssemos mencionar todos os grandes mestres da boa música nacional que não têm o privilégio de ler o nome gravado numa etiqueta de disco. Até um dos nossos mais populares compositores contemporâneos, o maestro Marcelo Tupinambá, tem apenas um número reduzidíssimo de músicas levadas ao disco. Mesmo assim, as que o foram, já faz enorme tempo, numa ocasião em que a indústria do disco não havia atingido a perfeição de hoje, e executadas por artistas estrangeiros, exceção à melodia O Cigano, que foi gravada aqui, no Brasil, por Francisco Alves. Aliás, com alusão às composições de Marcelo Tupinambá, apenas se tem notícia de uma boa gravação sua: Tristeza de Caboclo, cantada pelo barítono francês Crabbé,[1] gravação essa feita há mais de dez anos, se não nos enganamos, pela Polydor. Portanto, o que se dá com os compositores clássicos nacionais acontece com os nossos melhores virtuoses.

Por que, pois, esse desinteresse? Por causa do sem dúvida ponderável aspecto comercial? Mas acaso os clássicos estrangeiros e os virtuoses de outras plagas não são apreciados no Brasil e no mundo? Por que só os nossos serão esquecidos?

Que pensem nisso as gravadoras.

Casa Beethoven
Na foto: Eis os “Vocalistas Tropicais”, o homogêneo quinteto vocal carioca. A mais recente gravação do conjunto foi Diamante Negro, um samba de Marino Pinto, cujo disco é completado por Trinta Dinheiros, outro samba, de autoria de Waldemar da Ressurreição. Duas composições fraquíssimas e fora de propósito, resultando no disco mais fraco de todo o suplemento Odeon para julho. Mais cuidado na escolha das músicas, meninos!

[1] Na verdade Crabbé era belga, de Bruxelas.

Rádio Bandeirantes, Jornal de Notícias, 15/1/50

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