sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Diário da Noite, 26 de Junho de 1950

APOLOGIA DO SUICÍDIO

Custa-nos crer que Carlos Crespo, o festejado autor de Hipócrita e de outros boleros de êxito, tenha escolhido um tema tão infeliz para a sua última composição, recentemente gravada pela etiqueta Victor, na voz de Fernando Fernandez, precisamente o criador de Hipócrita. Com efeito, Carlos Crespo entendeu de escolher exatamente o suicídio para tema de seu último trabalho ao qual, aliás, deu o próprio título de Suicídio.

Como o próprio nome está a indicar, Suicídio conta a história triste de um jovem desesperadamente apaixonado que, não sendo correspondido pela amada, acaba por suicidar-se, disparando uma bala na cabeça. Tema, como se vê, nada agradável para um bolero.

A música é interessante. A letra, porém, é de amargar. Supinamente trágica. Pior ainda: ridícula. Foi pena Carlos Crespo estragar uma melodia tão curiosa numa letra tão fora de propósito.

Casa Ricordi
Suicídio, até, como nos assegurou um médico especialista em doenças mentais, pode dar origem a suicídios reais, mais espetaculares ainda que o apresentado – radiofonizado seria o termo preciso – por Fernando Fernandez, que, aliás, se revelou um ótimo rádio-ator... Argumentou o facultativo que o bolero, atualmente, como o tango antigamente, é, como se sabe, apreciadíssimo, nas rodas boêmias, zonas suspeitas, boates, dancings, taxi-girls, etc., frequentadas por elevado número de pessoas com graves anomalias mentais, conseqüentes dos dramas que viveram. Ora, disse ele, esse bolero, em que pese a sua música interessante, com a letra que possui, contando a história de um suicídio, inclusive teatralizado, ouvindo-se o “adeus” do infeliz e o tiro que dispara, sem dúvida nenhuma está sugerindo o ato. Um enfermo mental que sofreu dissabores na vida, pode ser influenciado e procurar imitar o infeliz personagem do bolero...

Essa face do disco em apreço, portanto, é condenável em virtude da sua letra, de tema mórbido. Todavia, a face B, em que se acha gravada uma composição de Maria Alma, intitulada Si Fuera uma Qualquiera, atenua, um pouco, o baixo padrão artístico da gravação anterior, posto tratar-se um bolero bonitinho, muito bem cantado por Fernando Fernandez, que foi magnificamente secundado pelo conjunto orquestral.

Adelina Garcia
Vamos, portanto, aguardar melhores composições de Carlos Crespo, do mesmo padrão, por exemplo, de Hipócrita. Este Suicídio, positivamente, nunca deveria ser gravado, nem ter o seu autor escolhido semelhante tema para a sua música. Se continuar assim, Carlos Crespo acabará, como compositor, se “suicidando”.


Na foto: Adelina Garcia volta a estar presente no suplemento Odeon para o mês de julho próximo, cantando La Mucura, o divulgadíssimo porro colombiano, e a canção Tu, Donde Estás?, que leva a assinatura do inspirado compositor asteca Gabriel Ruiz.

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