sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Diário da Noite, 15 de setembro de 1950

FAMOSA MELODIA

Já tivemos ocasião de fazer referência, por esta coluna, à melodia de Anton Karas O Terceiro Homem, do filme do mesmo nome. Trata-se de uma melodia simples, despretensiosa, quase que diríamos vulgar, mas que, em conseqüência da película de que faz parte, ganhou uma fama tal que constitui uma verdadeira coqueluche em todos os países da Europa e, agora, nos Estados Unidos. Gravações de O Terceiro Homem existem muitas e todas elas têm obtido espetaculares “records” em venda, superando a todos os existentes. Naturalmente isso se dará aqui no Brasil também. Por enquanto, embora a Odeon, a Columbia, e a Elite já estejam preparadas para o lançamento das gravações da famosa melodia, ninguém, isto é, o grande público, ainda não tomou conhecimento dela. Entretanto, bastará a chegada do filme, e, estamos seguros, se tornará, como tem acontecido noutras nações, uma epidemia.

Como dissemos, a Odeon, a Columbia, e a Elite são as que, por enquanto, possuem as matrizes de O Terceiro Homem. A primeira conseguiu a matriz original, isto é, a gravada pelo próprio autor da melodia, Anton Karas, em solo de cítara, que, na fita, embora não apareça, é o responsável pela sua execução. A gravação da Columbia nos apresenta O Terceiro Homem com o Quarteto Café Viena. A Elite, entretanto, possui a matriz de uma gravação otimamente orquestrada, sobressaindo-se, naturalmente, os solos de cítaras, para cujo instrumento foi O Terceiro Homem composta.

Anton Karas: Um homem e sua cítara
A Victor, por sua vez, segundo fomos informados, também lançará uma gravação da partitura de Anton Karas. Outras mais, é evidente, aparecerão. Entretanto, conhecemos, pelas provas, apenas as da Odeon, da Columbia e da Elite. A da gravadora da rua da Liberdade tem a particularidade, que a valoriza, de ser o próprio Anton Karas o solista. Entretanto, nos pareceu uma gravação um tanto vazia, quase inexpressiva e, até monótona. Mas dá o ensejo de se apreciar a técnica de Anton Karas como solista de cítara, o pequeno e bizarro instrumento pouco conhecido entre nós. A da Columbia, embora menos vazia, não satisfaz, dado os altos e baixos do quarteto em questão.

O poster original de The Third Man
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Já a gravação da Elite, magnificamente orquestrada, executada por um conjunto europeu, nos impressionou melhor. Isso porque, revezando-se os solos de cítara e as variações orquestrais, a monotonia natural da melodia é anulada, o que não acontece com as versões anteriores. O resultado é que o disco se transformou em algo audível do primeiro ao último sulco.

Aliás, a Odeon e a Columbia deverão colocar nas revendedoras, ainda esta semana, as gravações de Anton Karas e do Quarteto Café Viena. A da Elite parece que vai demorar um pouco mais. E a da Victor, que não conhecemos, mais ainda. O discófilo curioso, entretanto, deve conhecer todas as versões de O Terceiro Homem. Se preferir apenas a que apresenta o solista de cítara, não há dúvida de que a de Anton Karas, apesar de vazia, merece atenção especial, porquanto se trata do próprio autor da melodia. Se se satisfizer com um pequeno conjunto, ouça a gravação da Columbia. Agora, se é apreciador de boas orquestrações como nós, terá que aguardar um pouco mais e escolher entre as demais versões, uma das quais, a da Elite, conhecemos e podemos assegurar ser de muito bom padrão.

Rago (no centro) e seu regional. Foto do site MPB Net
Na foto: O regional de Rago, pertencente ao cast das Emissoras Associadas de São Paulo, gravou para a Continental mais um disco no qual vamos encontrar o bolero Em Tuas Mãos, de Antonio Rago, e o choro Grande Amigo, do mesmo autor.em ambas as faces o popular conjunto está magnífico, especialmente na do bolero, onde os solistas se revezam nos destaques. Assim, não apenas Rago, responsável pelo solo principal, aparece, mas também Orlando Silveira, que vemos no clichê; Alcides, o clarinetista; Esmeraldino, do cavaquinho e autor daquele delicioso samba Oh! José, gravado por Hebe Camargo. Em Tuas Mãos, estamos certos, se lhe for dada uma letra, será mais um dos grandes sucessos do conhecido compositor patrício.

Diário da Noite, 14 de setembro de 1950

VÁRIOS LANÇAMENTOS

Torna-se difícil saber quando terá fim a discussão musical estabelecida entre Herivelto Martins e Dalva de Oliveira. De nossa parte achamos essa questão profundamente ridícula. Afinal de contas, o público nada tem que ver com o caso que levou o casal a se separar. Além do mais, não nos parece recomendável que Herivelto, através de suas composições, venha acusar a esposa de traição, nem fica bem à Dalva, também através da música, confessar, publicamente, o seu erro. É bem verdade que o ouvinte que desconhece o caso Herivelto-Dalva não ligará uma coisa com a outra. Mas acreditamos serem poucos os que o desconheçam, tal a publicidade que se fez sobre o assunto.

A confissão pública do “seu erro”, Dalva o faz através do samba de Ataulfo Alves, Errei, Sim, gravado em disco Odeon. Não há negar, se trata de um bonito e sentido samba. Dalva o interpreta com muito sentimento, dando-nos a impressão de que as lágrimas lhe rolam pelas faces. Dir-se-ia tratar-se de uma explicação pública de um erro de que foi acusada – que ela não nega – pelo contrário, o justifica, ou procura fazê-lo. A orquestra de Carioca acompanha a vocalista, através de uma orquestração digna do seu renome. Na face oposta do disco vamos encontrar um samba de autoria de Alvarenga e Ranchinho, Segundo Andar. A composição não é das melhores, mas salva-se em virtude do tratamento que lhe emprestam Dalva de Oliveira e o conjunto de Carioca.

Dalva de Oliveira
* Jorge Goulart, cuja tonalidade vocal é gêmea da de Sílvio Caldas, levou ao disco, sob responsabilidade da etiqueta Continental, o fox de Frazão e Roberto Martins 25 de Abril e o samba de Ataulfo Alves e Peter Pan, Lírios do Campo. Cópia e seu conjunto orquestral foram os responsáveis pela execução do acompanhamento, através de uma orquestração digna dos melhores elogios. O fox de Frazão e Roberto Martins é dos mais interessantes, tendo como tema a data de fundação da capital da República e um amor que teve início precisamente nessa data. Muito bom também o samba do veterano Ataulfo Alves e do fecundo Peter Pan, igualmente muito bem tratado por Jorge Goulart. Um disco que se recomenda.

Isaurinha Garcia
* Isaura Garcia está presente no suplemento Victor cantando dois números: Duelo, um samba-canção de Cícero Nunes, e Mania de Balzaquianas, choro de Gadé e Walfrido Silva. Duas composições sofríveis que, não sabemos como, Isaura Garcia escolheu para gravar, desperdiçando, assim, duas faces da sua quota anual na Victor. Entretanto, se tivéssemos que escolher entre as duas, preferimos o choro de Gadé e Walfrido Silva. O padrão vocal de Isaura Garcia é o mesmo. Canta com segurança, dominando bem as dificuldades das composições, especialmente do choro, que é em tom alto e de cadência vibrante. Acompanha-a um regional, o que torna a gravação muito pobre e não enfeita a voz inegavelmente bonita de Isaura Garcia. A prestigiosa artista paulista está precisando ser melhor orientada na escolha das músicas que deve levar ao disco. Os seus fãs incondicionais, entretanto, poderão aceitar este seu último disco.


Benedito Lacerda e Pixinguinha
Na foto: Benedito Lacerda e Pixinguinha são dois compositores populares dos mais conhecidos. Os grandes cartazes da música indígena têm levado ao disco composições suas e, com elas, conseguido os mais estimulantes sucessos. Agora, Benedito Lacerda e Pixinguinha resolveram gravar juntos. A Victor, que o mês passado já nos dera Yaô, um lundú africano, e Atraente, um choro, na execução dos dois solistas, acompanhados de regional, nos vai oferecer, este mês, por eles mesmos, dois choros: Matuto e Displicente. Os amantes do gênero, sem dúvida, encontrarão nesse disco material de primeira.

Diário da Noite, 13 de setembro de 1950

NOTAS RÁPIDAS

Tantos têm sido os lançamentos das gravadoras, que o cronista se vê em palpos de aranha não só para ouvir todos, mas, principalmente, para tecer sobre eles as considerações que deseja. Assim, a fim de vencermos a avalanche, vamos focalizar algumas gravações com poucas palavras, apenas o essencial para que o discófilo tenha uma idéia do seu padrão.

* Dentre os lançamentos Columbia de gravações de melodias americanas, sem dúvida nenhuma o melhor deles foi o disco de Herb Jeffries, secundado pela magnífica orquestra de Hugo Winterhalter, no qual ele vocaliza a velha e interessante Canção do Amor Pagão, do filme Amor Pagão, há tanto tempo exibido entre nós, tendo como astro Ramon Navarro, então “mocinho” preferido das garotas da época. Na face oposta do disco vamos encontrar o fox Jamais Seja Dito, do filme O Invencível. Gostamos mais da face da Canção do Amor Pagão, porque temos a impressão de que Herb Jeffries canta com maior desenvoltura e mais emotividade, muito embora no outro lado do disco ele não esteja mal. Como sempre, o conjunto orquestral de Winterhalter valoriza a gravação com suas caprichadas orquestrações.

Herb Jeffries, que em setembro de 2013
completou 100 anos
* A conhecida canção Mule Train, já gravada por um sem número de artistas e conjuntos americanos, mereceu cuidadosa interpretação de Vaughn Monroe e sua orquestra. Parece-nos constituir a melhor interpretação da popular partitura. Vaughn Monroe, como se sabe, é dono de uma tonalidade vocal muito pessoal, parecendo que a música em questão foi feita sob medida para ela. Além disso, há aqueles estalos de chicote, para caracterizar o tema, Diligência, que são de um sabor todo especial. Na outra face, Vaughn Monroe nos proporciona outra melodia característica, Singing My Way Back Home, também interpretada com capricho, dando-lhe o colorido próprio. Um dos bons lançamentos Victor do seu suplemento de setembro.

Alcides Gerardi
* A Odeon, depois de nos dar aquela magnífica versão do samba Maria, de Ary Barroso, com Alcides Gerardi, secundado por Carioca e sua orquestra, mais o Coro dos Apiacás, vai proporcionar-nos também com Alcides Gerardi, este mês, um fox, Um Mês É Muito Tempo, de autoria de Irani de Oliveira e Euclydes Silva; e um samba, Jardim Sem Flor, de Waldemar Silva e Mary Monteiro. Assistido de maneira surpreendente pela orquestra de Carioca, Gerardi, que é dono de uma voz bastante interessante, se porta de forma segura em ambas as faces do disco, em especial na do fox, que é uma composição delicada, de melodia deliciosa, que a gente guarda com facilidade. Um dos bons lançamentos da aludida etiqueta.

* As Irmãs Castro gravaram, já faz algum tempo, para a Continental, a composição de José Alves dos Santos (Nhô Pai), Beijinho Doce. Não nos recordamos se foi em marcação de maracatú, de samba ou baião. Valsa é que não foi. Agora, Sólon Salles gravou, para o mesmo selo, o mesmo Beijinho Doce, mas em tempo de valsa. Para sermos sinceros, foi a primeira gravação desse cantor que ouvimos até o fim. Aqui, o jovem não apresenta aqueles seus graves defeitos, isto é, nasalizando as palavras, ou fazendo-as escapulir com dificuldade por entre os dentes, ou ainda afetando certas palavras com inflexões fortes em excesso ou pequenas em demasia, parecendo mais um sussurro. Embora não tenhamos gostado do samba da face oposta, Meu Castigo, de autoria de José Nicolini, apreciamos muito a orquestração de Antonio Sergi, que o enfeita bastante.

Emile Prud'Homme
Agora, um apelo a Sólon Salles: cante sempre como cantou em Beijinho Doce e reforme o seu repertório. As valsas lamuriosas que o integram são coisas passadiças que pouca gente aceita hoje em dia. Quanto à gravação, se recomenda pela face de Beijinho Doce.

Na foto: O conjunto orquestral de Emile Prud’Homme possui uma verdadeira legião de apreciadores em toda a França. Suas atuações nos cabarés de Paris arrastam, diariamente, enormes rendas para os cofres dos seus proprietários. É por isso, possivelmente, o conjunto mais bem pago da Cidade Luz. Dentre os lançamentos Odeon, do corrente mês, figura um disco de Emile Prud’Homme e seu conjunto em que se acham gravadas as melodias Pigalle, de Georges Ulmer, e Aconchegado ao Teu Coração, de R. Hardy. Lucien Jeunesse é o responsável pelos refrões vocais, aliás, bastante curiosos.

Diário da Noite, 12 de setembro de 1950

ALGUMAS NOVIDADES

Acabamos de receber a lista avançada dos lançamentos da Columbia, programados para outubro próximo. O suplemento em apreço nos parece mais reduzido que os anteriores, constando dele apenas quinze gravações, sendo que quatro são de importação e de música clássica.

Encabeçando a aludida lista vamos encontrar, de Strauss, a Valsa do Imperador, em duas partes, pela Orquestra Filarmônica de Viena, tendo como regente Herbert Von Karajan. Segue-se a gravação da Rapsódia Húngara nº2, de Liszt, também em duas partes, com a orquestra de Filadélfia, sob a direção de Eugene Ormandy. Bruno Walter, regendo a Orquestra Filarmônica de Berlim, também faz parte da lista de gravações importadas, com a gravação de Rosas do Sul, de Strauss. Por outro lado, a referida gravadora nos envia uma regravação do Concerto em Lá Menor, para piano e orquestra, de Grieg, com Dinú Lipatti ao piano, secundada pela Orquestra Filarmônica de Londres, sob a batuta de Alceo Galliera. Esta gravação é composta de quatro discos, acoplados para pick-up automático. Faz parte de um bonito álbum.

Do repertório popular, chamaram-nos particularmente a atenção as gravações de Harry James, em Blues de Limehouse e The Man I Love; de Duke Ellington, em Caravana e Deixei uma Canção Sair do Coração; de Elliot Lawrence e sua orquestra, em Dança Ritual do Fogo e Entre o Diabo e o Mar Azul; e a de Frank Sinatra, secundado por Axel Stordahl e sua orquestra, em Apenas um Coração Solitário e Por Que Nasci?.

Casa Nelson & Nelson
Também Doris Day, que ultimamente tem perdido as primeiras colocações nos concursos realizados nos Estados Unidos, está presente na lista em questão, em Você Me Embriaga e Aquele Velho Sentimento, sendo secundada pelo conjunto orquestral de Georges Siravo.

Dignos de observação são os discos das orquestras de Peter Yorke e de André Kostelanetz. A primeira nos promete Lagoa Adormecida e Intermezzo; e a segunda, Meiga e Adorável e Canção de Setembro.

Casas Santiago e Sertaneja
Carlo Buti, que dentro em pouco estará entre nós, participando de uma temporada ao microfone das Emissoras Associadas, também tem um dos seus discos incluídos no suplemento em foco. Inclui esse disco as melodias Vida Cor de Rosa e Maria da Bahia. A primeira, como se pode notar pelo título em português, é uma versão da melodia de Louiguy, La Vie En Rose.

Por seu turno, Xavier Cugat, nos vai apresentar Palabras de Mujer, um arranjo do bolero de Agustín Lara, e Ombo, uma sacolejante rumba do próprio Cugat. Três Musicistas e Festa Estrangeira são as canções que o parisiense Georges Ulmer, acompanhado pela orquestra de Daniel White, vai apresentar.

Casa Beethoven
Herbert Von Karajan
E, para finalizar, a Columbia programou o acordeonista europeu Wolmer, numa gravação em que nos oferece uma seleção dos mais famosos motivos musicais de todo o mundo. A título de curiosidade, aqui vão as páginas cujos retalhos Wolmer selecionou: Serenata, de Schubert; Olhos Negros, Os Patinadores, de Waldfteufel; Dança Húngara nº5, de Brahms; Marcha Turca, de Mozart; e a Marcha Militar, de Schubert.

Em próximas notas, focalizaremos as listas avançadas das demais gravadoras.

Na foto: Herbert Von Karajan é um dos mais competentes regentes da Europa. Austríaco de nascimento, tem dirigido os mais categorizados conjuntos europeus e dos Estados Unidos. A Orquestra Filarmônica de Viena, da qual ele é o regente efetivo, está presente no suplemento Columbia de outubro, com a gravação da Valsa do Imperador, de Strauss.

Diário da Noite, 11 de setembro de 1950

GRAVAÇÕES DE HENRY

Consoante tivemos ocasião de noticiar, Georges Henry e sua orquestra, composta de elementos pertencentes ao cast das Emissoras Associadas de São Paulo, tendo como figura principal o admirável William Fourneau, gravaram sob a responsabilidade da etiqueta Continental dois discos, em cujas faces vamos encontrar os seguintes números: Holiday For Strings, de David Rose, A Dança do Sabre, de Khachaturian, Que Nem Jiló, de Luiz Gonzaga, e Trem-ó-lá-lá, sendo que os dois últimos números são, como se sabe, movimentados baiões.

Gostamos imensamente do disco, que encerra as gravações de Holiday For Strings e de A Dança do Sabre. Não apenas pela interpretação do conjunto e da performance do assovio de William Fourneau, senão também pelo som da gravação, que nos surpreendeu. Antes de Henry executar as gravações em apreço, tivemos ocasião de dizer-lhe das nossas dúvidas quanto à perfeição do som. Jamais os discos que iria gravar poderiam ser iguais ao executado no Rio de Janeiro, no qual gravou Hora Staccato. É que, como lhe explicamos na ocasião, apesar das reformas feitas pela Continental no seu estúdio, em virtude da sua inconveniente localização, entre indústrias de cofres, arquivos e outras coisas, com a sua maquinaria complicada, seria impossível conseguir um disco de alta fidelidade, apesar de as gravações serem feitas após meia-noite. Talvez gravações simples é possível que saiam desse estúdio 100% perfeitas, como tem acontecido com as de artistas secundados apenas de regional, com as de solistas de harmônica, de bandolim, cavaquinho e com as duplas caipiras. Entretanto, com orquestra, a questão se complica, tecnicamente.

Georges Henry, Diário de S. Paulo, 16/7/50
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Mas , como dissemos, o disco objeto das nossas considerações nos surpreendeu sobretudo pelo seu bom som. É verdade, conforme soubemos depois, artistas e técnicos “apanharam” durante quatro horas seguidas para acertar. Mas acertaram. E o resultado aí está, o disco em questão, com um som quase perfeito.

Quanto ao segundo disco, já não podemos dizer o mesmo. A sonoridade está excessivamente metálica e a voz de William Fourneau, cantando os baiões, distorcida, mais fina que o normal. Talvez as duas gravações constantes deste disco, foram feitas por último quando todos já estavam esgotados, especialmente o técnico.

Chuva de Astros - Diário de S. Paulo, 5/6/50
Com alusão à parte artística, só temos palavras de estímulo. Todos conhecem o quilate da arte de William Fourneau, de modo que inútil se torna dizer que o seu assovio, em Holiday For Strings e em A Dança do Sabre, esteve seguríssimo e a sua vocalização nos demais números, convincente. Bastante curioso aquele seu malabarismo vocal, nos últimos sulcos de Holiday For Strings. Trata-se, realmente, de um festival de cordas... vocais...

Georges Henry, como sempre, muito seguro na regência e no sopro do seu endiabrado pistão. Todas as seções do conjunto se portaram de forma elogiável, primando pela homogeneidade. Bastante interessante aquele rápido solo de piano, em Que Nem Jiló, de efeito imprevisto e curioso.

É uma pena que o som de um dos discos, como dissemos, não esteja perfeito. Mas isto é coisa que se notará apenas ouvindo o disco como nós, com espírito analítico. Afora isso, tudo OK e as gravações merecem, assim, as atenções do público, especialmente pela originalidade das interpretações.

Na foto: Georges Henry, de cujas gravações falamos em nossa crônica de hoje, vem de ser contratado para dirigir a parte musical das Emissoras Associadas. A capacidade artística do moço regente gaulês o credencia para ocupar cargo de tamanha responsabilidade que, a par de aplausos e alegrias, também traz dissabores. Fazemos votos, entretanto, para que a sua missão no espinhoso cargo seja coroada de pleno êxito.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Diário da Noite, 9 de setembro de 1950

OBRAS CLÁSSICAS

Eis algumas novidades em gravações de páginas clássicas:

A Deutsche Grammophon, da Alemanha, como o próprio nome está indicando, exportou para o Brasil várias gravações de música seleta, sendo de destacar-se, dentre outras, a da conhecida página de Sibelius, Valsa Triste, do drama Kuolema, na execução da Orquestra Niedersachsen, de Hannover, sob a direção de H. Thierfelder. Na outra face desse disco vamos encontrar, na execução da orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã, sob a regência de Eduard van Beinum, a valsa da Suite de Ballet, de Max Reger, Valse D’Amour. Enquanto a conhecida página de Sibelius prima, como se sabe, pelas suas sugestões mórbidas, soturnas e melancólicas, a partitura de Max Reger, ao contrário, é uma composição suavizante e de bonita melodia.

Em discos da mesma gravadora germânica fomos encontrar a grande obra de Ottorino Respighi, Festas Romanas que, aliás, é o último trabalho do seu Ciclo Romano. A obra é grande, constando a gravação de quatro discos de doze polegadas. Os quatro movimentos da Feste Romane estão assim divididos: I) – Circenses; II) – Giubileo; III) – L’Ottobrata; IV) – La Befana. A execução é da Orquestra Filarmônica de Berlim, dirigida pela batuta de Victor de Sabata, diretor musical do Scala de Milão. Por falta de espaço, deixaremos de comentar essa gravação, prometendo fazê-lo, entretanto, na primeira oportunidade.

Casa Roberto Gordon
Casa Brenno Rossi
A mesma Deutsche Grammophon nos remeteu um disco onde se acha gravada, em uma das faces, a dança Tarandula, que é, precisamente, o último número da suíte nº2, de Bizet, A Arlesiana. No outro lado vamos encontrar, de Berlioz, a Marcha Húngara, da ópera Condenação de Fausto. A execução orquestral, em ambas as faces, coube à Orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã, sob a direção de Eduard van Beinum.

Cumpre observar a alta qualidade das gravações em apreço, absolutamente alheias de chiado, facultando, assim, uma reprodução precisa, que nos permite sentir toda a exuberância sonora dos famosos conjuntos.

Por seu turno, a Columbia americana, através dos seus discos de longa gravação, está reimprimindo as mais famosas gravações clássicas do seu repertório, entre as quais as das páginas de Bach, para comemorar o bicentenário do grande mestre, decorrido há poucas semanas. Aliás, no que diz respeito às gravações microgroove, é estranhável que as revendedoras de São Paulo, salvo as honrosas exceções, ainda não tenham resolvido importá-las. Dissemos “salvo as honrosas exceções” porque, na verdade, já encontramos em duas casas tais gravações. Mas foram importadas “para amigos...”. Entretanto, nas revendedoras do Rio e de outras capitais sul-americanas já se pode comprar os cobiçados microgroover’s records. Vamos aguardar, portanto, a resolução ou das revendedoras ou dos representantes, nesta capital, da Columbia, da Victor, da Decca, quer nos Estados Unidos ou da Inglaterra, de colocar em São Paulo os discos de longa gravação e os respectivos tocadores especiais, porquanto o número de vitrolas com capacidade de várias velocidades é muito reduzido e poucas as pessoas que já possuem o pequeno adaptador.

Império Argentina
Mas que essa espera não seja longa, porquanto é enorme o interesse dos discófilos paulistas, amantes do clássico, e no novo e prático sistema de gravações.

Na foto: Império Argentina, que realizou, recentemente, uma vitoriosa temporada ao microfone das Emissoras Associadas, teve a satisfação de ver boa parte de seus discos reeditados pela Odeon, muitos dos quais – os melhores – eram dificilmente encontrados nas revendedoras, por esgotados. Do suplemento especial que a aludida gravadora editou para as gravações do cartaz hispano-argentino, há uma novidade: Que Me Cumplias Tu, uma canção típica de Espanha.

Diário da Noite, 8 de setembro de 1950

TÓPICOS E INFORMAÇÕES

As gravadoras americanas, ultimamente, estão se dedicando à produção de álbuns especializados em músicas de jazz. A Columbia, por exemplo, vem de distribuir o seu Class Jazz, com gravações de Ted Lewis e seu conjunto. Por sua vez, a Decca edita um espetacular álbum de jazz clássico, que faz parte de sua coleção, recém-iniciada, intitulada Red Nichols Classics, constituindo este o segundo volume da série. Ainda a Decca nos oferece outro álbum, no gênero, sob o título de Cab Calloway, que, como o próprio título está a indicar, é composto de gravações da famosa orquestra de Cab Calloway. – A Continental colocará nas revendedoras, dentro de poucos dias, várias gravações de bom padrão, como a de Jorge Goulart, interpretando 25 de Abril, fox de Frazão e Roberto Martins, e Lírios do Campo, samba de Ataulfo Alves e Peter Pan. O conjunto de Cópia é o responsável pelo acompanhamento, aliás, muito interessante. – O disco de Ademilde Fonseca e Jorge Veiga, por sua vez, nos apresenta a voz de Ademilde mais interessante, porque ela não vocaliza com aquela sua intensidade característica, mas sim cadenciadamente, demonstrando, assim, o seu bonito timbre vocal. Carne Seca com Tutu é o samba que ela canta, juntamente com Jorge Veiga. Na outra face, apenas Jorge intervém, porquanto é uma valsa, Anúncio, de Bené Machado, sendo secundado pelo conjunto de Geraldo Medeiros.

Zé Fortuna, Piracicaba e Coqueirinho
– Dentro de poucos dias o público vai tomar contato com vários artistas caipiras autênticos. A Elite e a Continental irão apresentá-los através dos seus discos. A primeira nos dará o “Trio Floresta”, composto de Piracicaba, Zé Fortuna e Coqueirinho, cantando Lágrimas de Mãe, que conta a história de um pracinha que morreu na Europa, e Rancheiro Triste. A segunda nos oferecerá a dupla Zé Carreiro e Carreirinho, cantando o cururú Canoeiro.

Araci Costa
– A Todamérica, dentre os seus lançamentos próximos, marcará a estréia de Araci Costa, uma pequena de talento, cantando dois baiões, Obalalá e Rio Vermelho. – Novos cartazes da Elite: Eduardo Nunes, vocalista, e Jacob Thomas, solista de bandolim. Além de Alba Mery, bolerista, que nos vai proporcionar as seguintes gravações: En Revancha, bolero de Agustín Lara, do filme A Deusa Ajoelhada; Franqueza (mambo), de Mario Fernandez Porta; Contigo, bolero de Claudio Estrada; e Ni que Si, Ni Quizá, Ni que No, um mambo de Alfredo Gil, que constitui uma resposta aos boleros Dime que Si, Quizás, Quizás, Quizás e No, No y No. – Em sua série de historietas infantis a Continental irá lançar, dentro em pouco, a Gata Borralheira. Branca de Neve e os Sete Anões vai ser gravada. – O suplemento Victor para outubro sairá do prelo na próxima semana. – Idem, o da Odeon. – Sobre eles teceremos considerações.

Lucienne Delyle
– A Continental, que organizou uma série de gravações nas vozes dos nossos maiores poetas, dizendo os seus mais representativos poemas, vem de gravar a voz do Dr. António Botto, um dos mais inspirados amantes das musas. – Interessante álbum exclusivamente com melodias de Noel Rosa será editado pela etiqueta dos três sininhos. As gravações serão feitas por Sílvio Caldas e Aracy de Almeida. Bonita homenagem ao imortal compositor de Santa Isabel.

Na foto: Lucienne Delyle, uma das mais expressivas vocalistas de Paris, atualmente no Rio de Janeiro, é artista exclusiva da Columbia. Suas mais recentes criações para a famosa etiqueta foram C’est Un Cars, canção de Pierre Roche, e Au Soileil de Mai, de Aimé Barelli, também uma canção. A orquestra que assiste Lucienne, neste disco, é a de Aimé Barelli. 

Diário da Noite, 6 de setembro de 1950

O “REI DA VOZ”

Dentro de poucos dias a Odeon colocará nas casas revendedoras um disco de Francisco Alves em que o “rei da voz” gravou Boa Noite, Amor, valsa de José Maria de Abreu e Francisco Mattoso; e Na Estrada do Bosque, fox de C. A. Bixio, numa versão de Humberto Teixeira.

Chico Alves já gravou, faz um bocado de tempo, a bonita valsa de José Maria de Abreu. Foi uma bela gravação, que aliás ainda pode ser encontrada nas boas casas do ramo, se o interessado conseguir topar com um empregado de bons bofes e que se disponha a procurá-la. Chico, então, estava em plena forma. Sua voz era, como ele, jovem e possuidora de toda a exuberância que o tempo, aos poucos, mas paulatinamente, vai esgotando. O Boa Noite, Amor, da primeira gravação, assim demonstra o “rei da voz” na plenitude do seu reinado. A sua gravação recente, entretanto, embora boa, isto é, de bom padrão, é, porém, inferior à primeira, no que diz respeito à voz e à interpretação. É bem verdade que há uma interessante orquestração do maestro Oswaldo Borba. Mas, apesar disso, preferimos o primeiro Boa Noite, Amor. Chico Alves, apesar dos seus 52 anos, ainda é senhor de sua voz. Entretanto, observa-se que nas notas altas ele já se esforça bem mais. Nos últimos sulcos da gravação, quando o ouvinte espera um daqueles agudos que costumava dar – e tem-se a nítida impressão de que ele ia realizar o feito – tem uma tremenda decepção ao ouvir que ele cai cá embaixo, na outra oitava.

Já a face oposta nos causou melhor impressão. A Estrada do Bosque, fox responsável pela fama de Gino Bechi, então conhecido apenas pelos amantes do lírico recebe novo colorido na bonita voz de Chico e, principalmente, pelas palavras em português, de Humberto Teixeira. É fora de dúvida que tão logo o disco inicie a rodar pelas vitrolas da cidade, todo mundo irá cantarolar A Canção do Bosque, em português. Por seu turno, a homogênea orquestra de Oswaldo Borba executa o acompanhamento com a devida discreção, dando realce ao vocalista, ganhando destaque ao realizar o solo entre os refrãos.

Radamés Gnatalli
Para os discófilos cumpre lembrar que existem cinco gravações da valsa de José Maria de Abreu: com Pedro Vargas, com Sílvio Caldas, por um conjunto orquestral sob a regência de Radamés Gnatalli e, finalmente, as duas do próprio Francisco Alves, a segunda das quais vimos de comentar.

Na foto: Radamés Gnatalli é um dos mais competentes regentes e orquestradores do país. Dono de apurada sensibilidade e fino gosto, suas orquestrações constituem, na matéria, verdadeiras obras-primas. Muita gente o julga estrangeiro, em virtude do seu sobrenome. Entretanto, o maestro Gnatalli é brasileiro, ou, mais precisamente, gaúcho. Pianista de largos recursos, não resistiu ao desejo de levar ao disco o som de um piano acionado pelos seus ágeis dedos. E assim, gravou recentemente, para a Continental, sob o pseudônimo de “Vero”, o choro Tocantins, de José Rebelo da Silva, e a valsa Madrigal, de Aurélio Cavalcanti. Os que apreciam solos de piano não devem deixar de ouvir esse bonito disco.

Diário da Noite, 5 de setembro de 1950

NOTAS E NOTÍCIAS

Notícias procedentes dos Estados Unidos dão conta de que um samba bem brasileiro se transformou numa autêntica coqueluche para os norte-americanos. Trata-se do samba Cadê a Jane?, que leva as assinaturas de Wilson Batista e Erasmo Silva, gravado em disco Alba por Fernando Álvares.[1] – A propósito de Cadê a Jane?, recorda-se que ele foi gravado, não faz muito tempo, pela Continental, com o conjunto vocal Os Cariocas. – A Decca vem de gravar um disco por Eddie Condon e seu conjunto, no qual vamos encontrar Charleston e Black Botour. Como se sabe, Charleston e Black Botour foram os ritmos que deram alegria aos nossos maiores ali por 1920, mais ou menos. E Condon, assim nos proporciona duas agradáveis faces, apesar dos ritmos espalhafatosos das composições. Muito curiosa a vocalização de Peggy Ann Ellis, que, diga-se de passagem, não é uma grande vocalista, secundada pelos demais componentes do conjunto, Wild Bill Davison, Vernon Brown, Peanuts Huck e outros. – No suplemento Columbia do corrente mês reapareceu o nome de Maria Alma com dois interessantes números: Tu Retrato, de Agustín Lara; e Que Te Has Pensado?, de autoria da própria Maria Alma. – Por seu turno a Odeon volta à carga com Fernando Albuerne cantando Cavaleiros do Céu, a mais que batida composição de Stan Jones; e Callejera, de autoria de Carlos Crespo, autor de HipócritaSuicídio e outros sucessos. – Luiz Gonzaga, ao que se propala, vai realizar uma demorada excursão pelo país e a renda líquida dessa campanha – porque será uma autêntica campanha – será empregada na construção de escolas e lactários no sertão do nordeste. Belo gesto do simpático “Lua”.

Luiz Gonzaga, Diário da Noite, 2/9/50
Evaldo Rui (esq.) e Fernando Lobo (dir.), autores
de "Chofer de Praça", e Gonzagão sentado ao piano
Foto do blog de Luis Nassif
– A propósito de Luiz Gonzaga sabe-se que os direitos autorais por ele recebidos no último trimestre foram de 158 mil cruzeiros.

– Têm sido tantos os pedidos recebidos pela Victor, de gravações de Luiz Gonzaga, que a firma distribuidora teve que organizar um sistema de inscrições ou filas para tais pedidos. Para se ter uma idéia da verdadeira coqueluche que são as gravações do “Lua”, basta dizer que em três dias, foram vendidos mais de dez mil discos da sua última criação, Chofer de Praça. – Novos cartazes nos promete a Elite nos seus lançamentos de outubro. Ao que nos assegurou o Alberto Ergas, diretor artístico da etiqueta da rua Major Quedinho, vão constituir verdadeiras bombas atômicas, como o foram as gravações de Neyde Fraga. – O grande Louis Armstrong gravou para a Decca La Vie En Rose e C’est Si Bon. Armstrong e seu pistão, são os mesmos de sempre, sem novidades.

Na foto: Lolita Torres, como se sabe, é uma cantora argentina, especializada ba vocalização de melodias de Espanha. A Odeon já prensou diversos discos seus e, em seu suplemento do corrente mês, programou duas “faces” suas: o passodoble de José Maria Palomo, com palavras de Salvador Valverde, La Cortijera de Jerez; e o tanguillo de Rodrigo e Balsano,[2] El Barquito. Ouvimos a prova e constatamos de bom padrão do disco. Gostamos mais do passodoble, onde Lolita está mais à vontade e a composição de acordo com o seu timbre vocal.

Casas Santiago e Sertaneja


[1] A referência é obscura.  “Disco Alba” talvez seja do efêmero e pouco conhecido selo Albatroz; quanto a Fernando Álvares, parece ser o mesmo que fez sucesso nos anos 30. Como sua carreira secou no início da década seguinte e não há registro dessa gravação em lugar nenhum, a questão fica por enquanto insolúvel.
[2] Na verdade uma pessoa só, Rodrigo Bálsamo.

Diário da Noite, 4 de setembro de 1950

EXPLICAÇÃO IMPRESCINDÍVEL

Já afirmamos uma vez e tornamos a reiterar a afirmativa nessa conjetura: não temos a pretensão de ser críticos. Nosso objetivo, com esta despretensiosa coluna de discos, outro não é senão examinar as gravações lançadas pelas diversas firmas e sobre elas tecer algumas considerações, demonstrando ao leitor, que gosta de disco, quais os lançamentos que deve ou quais os que não deve incluir em sua estante. Assim, a fim de orientar o público, além da nossa opinião sobre as gravações, compilamos pequenas informações sobre o que vai no mundo dos discos, objetivando trazer sempre em dia as notícias relacionadas ou diretamente presas ao movimento discófilo.

Temos procurado ser absolutamente imparciais em nossas apreciações. Ao analisarmos uma gravação não olhamos a sua etiqueta. Se a gravação merece aplausos não lhe regateamos, seja o seu selo de uma grande gravadora ou seja da mais modesta. O mesmo acontece com as gravações vulgares, que não são poucas, muitas das quais não merecem sequer um comentário, mesmo desfavorável. Assim, nos limitamos apenas a noticiar o seu aparecimento.

Ao que parece, entretanto, o nosso trabalho não está sendo bem compreendido. Pelo menos, em determinada gravadora. E precisamente a empresa sobre cujos discos temos tecido, por merecerem, as mais favoráveis apreciações. Nem tudo, entretanto, o que ali se grava é de bom padrão. De modo que, a par dos comentários favoráveis, não temos aplaudido outras iniciativas suas. Isso levou um mentor da aludida firma gravadora a nos procurar para nos fazer sentir que o nosso trabalho “não o estava satisfazendo”. Argumentou que a sua nova fábrica, sendo “a maior da América do Sul” (é opinião dele), não poderia compreender por que temos proporcionado aos seus lançamentos tratamento igual aos das demais, cujos produtos ele considera inferiores ao da sua firma.


Como se vê, o aludido produtor não apreendeu bem as finalidades desta seção. Por que haveríamos de olhar com mais simpatia aos seus discos? Esta coluna existe em função do disco e não das gravadoras. Por que, por exemplo, haveríamos de tecer considerações favoráveis a um seu lançamento que, positivamente, não as merece e ao qual, como sugerimos, dada a letra inconveniente da composição, deveria ser colocado, em lugar bem visível, os dizeres “impróprio para menores e senhoritas”? Demais, que nos perdoe a franqueza o aludido mentor, pouco se nos dá se os nossos comentários desfavoráveis não lhe agradem. Não temos, com ele ou com qualquer outra firma gravadora, nacional ou estrangeira – e nem poderíamos ter – quaisquer compromissos.

Rádio Tupi - Cancioneiro do Brasil, 1950

O único compromisso que temos é com os leitores do DIÁRIO DA NOITE. A eles foi que prometemos informar com absoluta imparcialidade, sobre o padrão das gravações, embora, muitas vezes, tenhamos que desgostar ou “não satisfazer” artistas verdadeiros, compositores e músicos, que merecem toda a nossa admiração, e até – e por que não? – os próprios generais da indústria do disco. Que fique esclarecido, portanto, de uma vez por todas: não temos preferência pelos produtos desta ou daquela empresa gravadora. Todas elas, pequenas ou grandes, terão o mesmo acolhimento por esta coluna, isto é, serão tratadas no mesmo pé de igualdade.


Edú da Gaita
Se o que produzirem for bom, aqui estaremos para aplaudir. Se mau, não teremos dúvida em dizê-lo com a mesma sinceridade e independência, de acordo, aliás, com o compromisso que assumimos, repetimos, com o público.

Na foto: Eduardo Nadruz, ou “Edú”, como é conhecido, pode ser incluído no rol dos mais perfeitos virtuoses da gaita, ou harmônica de boca. Tendo perfeita noção de sua arte e possuidor de um bom gosto musical, aliada a uma apurada sensibilidade, “Edú” escolhe bonitas páginas para levar ao disco, satisfazendo, assim, as exigências dos seus incontáveis admiradores, não só no Brasil, como de todo o mundo, especialmente dos países sul-americanos. Sua última gravação para a Continental, da qual é artista exclusivo, e que por sinal já foi objeto de considerações neste canto de coluna, encerra duas interessantes páginas: Arabescos e Fumaça Nos teus Olhos.

Diário da Noite, 2 de setembro de 1950

TÓPICOS E INFORMAÇÕES

Dentro de alguns dias começarão a aparecer, nas vitrines das revendedoras os discos da nova etiqueta “Toda América”. Como se sabe, “Toda América” é uma nova marca subsidiária da Continental, isto é, os seus discos serão prensados e distribuídos pela organização Byington. – A propósito da nova etiqueta, apresentará ela uma inovação em sua etiqueta: em seu selo, além do número correspondente à gravação, o título da música e o nome do intérprete ou da orquestra, terá ainda a fotografia do artista. Se se tratar de um conjunto, terá a foto do chefe. Há casos em que a etiqueta não apresentará foto alguma, mas o globo terrestre demonstrando os contornos de “Toda América”. – Dentro de poucos dias, a Capitol entregará às revendedoras o primeiro disco de Stellinha Egg. Trata-se de uma maracatu estilizado, de autoria de Geraldo Medeiros, que recebeu o título de Bu-qui-ti-bum, cujo arranjo é de autoria de Lyrio Panicalli. – Jorge Veiga, com a sua estranha e original voz, vem de gravar para a Continental uma produção de Ary Barroso e Amâncio[1]. Trata-se do samba Carne Seca Com Tutu. – A Victor já colocou n praça a última composição da dupla Alberto Rossi e Lazzoli[2], interpretada por Carlos Galhardo, intitulada O Resto é Silêncio, uma inspirada valsa. – O primeiro disco da “Toda América” a ser colocado nas revendedoras é gravado por Nilo Sérgio, que pertenceu ao cast da Continental. Speak Low, beguine de Kurt Weill e Ogden Nash e aquele célebre Cavaleiros do Céu foi o que Nilo gravou neste seu primeiro disco para a novel etiqueta. – A versão da canção italiana que celebrizou Gino Bechi, então conhecido apenas por um número reduzido de pessoas, Estrada do Bosque, de C. A. Bixio, foi gravada por Francisco Alves para a Odeon. Já ouvimos as provas e ficamos otimamente impressionados. Em próximas notas analisaremos o disco.

Elizeth Cardoso
– Vários artistas da Continental passaram-se para a nova etiqueta “Toda América”: Nilo Sérgio, Ademilde Fonseca, a orquestra de Francisco Sergi foram os primeiros. – Em compensação, o novo selo nos vai apresentar valores novos, como Araci Costa, Elizeth Cardoso, Marchelli,[3] Dupla Zoológica, Os Boêmios, Helena de Lima e outros. A garota, ao que se diz, de maior prestígio na nova marca é Elizeth Cardoso, que é dona de um timbre vocal interessantíssimo. Gravou ela, Complexo, samba de Wilson Batista e Magno de Oliveira, e Canção de Amor, de Elano de Paula[4] e Chocolate. – Dentro de alguns dias a Continental colocará nas revendedoras as recentes gravações do conjunto de Georges Henry, com William Fourneau. Trata-se, como já noticiamos, das seguintes gravações: Holiday for Strings, Dança do Sabre, Que Nem Jiló e Trem-o-lá-lá. William Fourneau, com o seu assovio e os seus malabarismos vocais, tem papel de destaque nas aludidas gravações, que, aliás, serão alvo de nossos comentários, posto já havermos ouvido as provas correspondentes.

E é só, por hora.



Na foto: Fernando Torres, um dos mais categorizados boleristas da constelação Odeon, está presente no suplemento do corrente mês da famosa etiqueta. Quiereme... Pero Quiereme, bolero-mambo de Alfredo Parra, que Chucho Martinez já gravou, já faz algum tempo, para a Continental; e Amorcito Corazón, bolero de Manuel Esperon e Pedro de Urdemalas, também já gravado por Chucho Martinez para a etiqueta dos três sininhos, são os números que o jovem cantor nos oferecerá, aliás muito bem vocalizados e interpretados de maneira superior, condizente com o seu renome.


[1] Deve ser Amâncio Cardoso, mas há equívoco, porque o samba Carne Seca com Tutu é parceria de Ary com Vilma de Azevedo.
[2] Na verdade uma pessoa só, o maestro Alberto Rossi Lazzoli.
[3] “Marchelki” no original. Suponho que J. refira-se a Vicente Marchelli.
[4] Irmão mais velho do grande Chico Anysio.